“Caso de Interdição”?, por Lino Raposo Moreira

“Caso de Interdição”?, por Lino Raposo Moreira

Artigo originalmente publicado no jornal O Estado do Maranhão

(Brasília - DF, 20/09/2019) Palavras do Presidente da República, Jair Bolsonaro.rFoto: Alan Santos/PR

(Foto: Alan Santos/PR)

“[…]. Eu nunca fui muito afeito à política, acredite se quiser. Em 28 anos na Câmara, nunca fui de uma comissão”?.

A primeira parte da afirmação acima é sincera, mas não inteiramente. Não é ainda toda a verdade, porque Jair Bolsonaro, seu autor, odeia a política, não apenas não é “afeito”? a ela. A política exige convencimento, paciência e articulação partidária, esta última exigência antes demonizada por ele, mas agora adotada, quando falou com deputados do PSL, com o fim de pedir votos para seu candidato a líder, na briga, no partido, entre seus seguidores e os do deputado Bivar.

Nunca ter sido de comissão parlamentar, como menciona na segunda parte, apenas evidencia seu espírito beligerante e autoritário, como também desrespeito a importante mecanismo de representação popular. Trata-se tão só do desassombro dos ignorantes da própria ignorância. Seu isolamento na Câmara dos Deputados resultou do costume de confrontar os membros da Casa e de sua paranoia.

“Eu posso ser presidente sem partido”?, disse, no encerramento da entrevista. Essa ideia é de candidato a ditador, pois não existe democracia sem partidos.

Eu não me surpreendo com essas palavras, que são hostis à democracia. Seus relacionamentos políticos são do tipo exigentes de submissão total. A lista com nomes de seus ex-amigos cresce o tempo todo. Um deles, Gilmar Alves, amigo dos tempos de Dourados, em MS, quando pescavam juntos, e ex-amigo dos tempos atuais, foi chamado por ele de “amigo gay”?. Amizade e gratidão não significam coisa alguma para Bolsonaro. Chegou a presidente, pensa, apenas com seus dotes de super-homem, embora mal alfabetizado.

Esses defeitos agora se voltam para a arena externa. Falo da ideia bizarra de o Brasil se juntar ao Uruguai e Paraguai, a fim de expulsar ou suspender a Argentina do Mercosul, como se maluquice como essa não fosse causar prejuízos a nós mesmos. Desinformado, como sempre, ditatorial como sempre, e incapaz de pensar antes de falar, como sempre, ele não teve o bom senso, com certeza pela obsessão com sua agenda ideológica, de calcular as perdas inevitáveis para nós, consequentes a um desmanche do Mercosul. Se fez os cálculos, os jogou fora. Não será ele, no entanto, o juiz das opções dos argentinos. Estes elegeram um presidente com visão diferente da do presidente do Brasil e isso basta à Argentina.

Contudo, insiste em meter o bedelho nos assuntos internos daquele país, ao classificar a escolha como errada.

O Mercosul está ausente de seu horizonte cultural como um projeto não só de parceria comercial, mas de integração continental. Esta concepção afastou o perigo nuclear na América do Sul, com bem disse o presidente Sarney, em artigo no O Estado do Maranhão, e aumentou muito o comércio na região.

Dos livros folheados por ele, não leu uma linha sequer do que estava entre a capa e a contracapa. Lula foi mais honesto do que ele, porque admitiu seu próprio enfado com a leitura. Ele, não.

Alberto Fernandez, presidente-eleito da Argentina, disse bem: “Bolsonaro é misógino, racista e violento”?. Lembrem-se da racista “paraíba”?, palavra preconceituosa aplicada aos nordestinos por esse presidente baixo-clero e quixotesco.

O resumo da patacoada está na história das hienas. Ele se comparou a leões e chamou de hienas países, partidos políticos, instituições da República, entre elas o STF, e organizações internacionais. O mundo está contra ele.

O caso de Jair não é de impeachment. É de interdição.

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Lino Raposo Moreira é PhD, economista e membro da Academia Maranhense de Letras

“Presidência rebaixada”?, por Lino Moreira

“Presidência rebaixada”?, por Lino Moreira

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Artigo originalmente publicado no jornal O Estado do Maranhão

Bolsonaro encontrou uma desculpa para desistir da indicação do filho Eduardo à embaixada brasileira em Washington, justificada com a suposta amizade entre o rapaz e presidente americano, Trump; e com a justificativa de alegada habilidade de Bolsonaro Júnior no preparo de hambúrgueres, requisito culinário, mas não diplomático, adquirido nos Estados Unidos.

O evento salvador do vexame da indicação foi a tensão entre os dirigentes do PSL, partido atual do presidente, depois de sua passagem por mais de uma dezena de outros, comportamento revelador de seu desapreço pelo sistema partidário e, portanto, pela política como instituição fundamental à solidez da democracia.

Surgida da disputa entre bolsonaristas e não bolsonaristas, pelas verbas do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral, o primeiro fundo equivalente a uma bolada de R$ 114 milhões, a ser recebida ainda este ano, e o segundo a uma de R$ 586 milhões, em 2020, quando haverá eleições municipais, num total de R$ 700 milhões nos dois anos, sendo esses valores os mais elevados de todo o sistema partidário, a disputa, eu dizia, deu a ele a oportunidade da indicação do filho a líder do PSL na Câmara dos Deputados, após conspiração comandada pelo ele mesmo, com o fim de derrubar do cargo o então ocupante da posição, delegado Waldir, como se pode ouvir num áudio gravado por um dito amigo dele, mas ainda mais amigo da onça. Ele poderá dizer que desistiu da embaixada brasileira nos Estados Unidos, apenas porque o filho tinha missão mais importante aqui mesmo, justamente assumir a liderança do partido. Deste, com truculência característica, o novo líder imediatamente destituiu 12 vice-líderes, embora o pai tenha dito que a missão do filho era de paz. Se fosse de guerra, teria passado fogo nos 12, com um reluzente trezoitão, e declarado a paz universal. Entre idas e vindas de listagens de deputados do

PSL, com o fim de escolher o líder, não se tem certeza até hoje, terça-feira, dia 22/10, sobre quem seja o escolhido.

Essa confusão é reveladora da natureza do bolsonarismo, de características tais como descrença nas instituições do Estado de Direito e democrático; tendência ao personalismo e autoritarismo; ausência de uma visão coerente acerca dos rumos da sociedade, consubstanciada em planos de governo; ênfase quase exclusiva em uma cruzada cívico-moralista, caracterizada pela tentativa de imposição de seus próprios valores a toda a sociedade; ignorância dos assuntos da economia, tema ao qual Bolsonaro nunca ou quase nunca fez referência; desconhecimento quase completo dos mecanismos internos de governo e dos de relações internacionais; uso de linguagem chula pelo presidente para se referir a todo e qualquer assunto; ilusões quanto ao real poder de um presidente da República, levando-o ao delírio de pensar no chefe do Executivo como mais poderoso do que realmente é; paranoia insuperável; filhotismo, etc.

Quem acompanha os assuntos políticos brasileiros já notou o gosto de Bolsonaro pela polêmica. Não se passa uma semana sem ele iniciar uma, na maioria as vezes prejudiciais a seu próprio governo. Na visão dele, vê-se agora, é mais importante dedicar-se a lutas de rua do seu partido, do que à discussão da votação da Previdência no Senado. Presidente adepto de entrar nesse tipo de briga, arrisca-se a levar caneladas, como essa de ser chamado de vagabundo pelo delegado Waldir, em claro rebaixamento de seu cargo.

Lino Raposo Moreria é PhD, economista e membro da Academia Maranhense de Letras

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“Pontos de vista”, por Antônio Augusto Ribeiro Brandão

“Pontos de vista”, por Antônio Augusto Ribeiro Brandão

 

A revista Época, edição do dia 7/10/2019, publicou dois textos importantes: o primeiro “Desigualdade e falta de imaginação”?, artigo de Monica de Bolle, e o segundo “Como desatar o nó da desigualdade”?, reportagem assinada por Fernando Eichenberg, de Paris, a propósito da divulgação do novo livro do economista francês Thomas Piketty, “Capital e ideologia”?.

Esses textos vêm reforçar a tese levantada por mim em “Desafios à teoria econômica/Challenges to the economic theory”?: estaríamos necessitando de novas formulações acadêmicas?

O artigo comenta sobre os desafios e perplexidades
enfrentados pelos mercados e seus protagonistas desde
o início da crise da “bolha”?, nos Estados Unidos, ocasião
em que as práticas de política monetária heterodoxas, de
auxílio à liquidez, contrariando a teoria econômica tradicional, evitaram um novo “crash”? e não causaram inflação, apesar dos seus efeitos colaterais.

Depois de fazer referências ao que vem propondo
André Lara Resende, com sua Teoria Monetária Moder-
na, a economista, posicionando-se contra a sugerida “monetização de déficits, revela sua explicação para o fato de que tamanha expansão monetária não tenha causado inflação: segundo ela, como a renda ficou cada vez mais concentrada na mão dos mais ricos, que gastam
menos em consumo, o que sobrou para os mais pobres
e classe média, que gastam mais em consumo, não teve
forças para pressionar o sistema de preços, e por isso não
ouve inflação.

Alega, também, que a política monetária precisaria
ser complementada pela política fiscal, sem o que “os juros baixos não são capazes de produzir grandes estímulos”?.

E conclui: “Portanto, a desigualdade no Brasil está em
franca ascensão, revertendo o processo que havíamos
testemunhado nos últimos 20 anos”?.

Em meu livro “Desafios Challenges”?, há uma expli-
cação do porquê não ter havido inflação face ao afrouxamento da liquidez via “Quantitative easing”?, nos EUA,
em 2008: argumentado com a Teoria quantitativa da moe-
da (MV=PT), teria ocorrido baixa velocidade da circulação da moeda em V, portanto, sem repercussões sobre a
Base monetária e seu multiplicador. Havia prenúncios
de uma recessão e de estar ocorrendo a chamada “armadilha da liquidez”?, conforme definida por John Maynard Keynes.

Já a reportagem é bem extensa sobre as novas concepções do economista francês, que já havia publicado
“O capital do século XXI”?, tratando principalmente da al-
ta desigualdade em diversos países do mundo, desta vez incluindo Brasil, China e Índia. No seu novo livro, ele sugere a taxação das grandes fortunas, como forma de redistribuir a renda. E diz: “Quem está no topo da pirâmide social, o 1% mais rico do mundo, captou a maior parte do aumento da riqueza nas últimas décadas”?.

Critica os impostos que incidem mais sobre o consumo do que a renda e o patrimônio, prejudicando os
mais pobres, de forma regressiva. E resume: “Há mais de
um século, o capitalismo tem mostrado poder de tirar
um grande número de pessoas da pobreza, mas o problema da desigualdade persiste”?.

E conclui a reportagem: “A principal proposta do novo livro de Piketty, Capital e ideologia, é a criação de um
”˜socialismo participativo”™, com a adoção de medidas que
já são comuns na Alemanha”?.

ANTÔNIO AUGUSTO RIBEIRO BRANDÃO

“Uber tudo”, por Lino Raposo Moreira

“Uber tudo”, por Lino Raposo Moreira

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Artigo originalmente publicado no jornal O Estado do Maranhão

Acabo de ter notícia de novo serviço do Uber. Ele oferecerá aos clientes, no menu de preferências de viagem, o modo silencioso, significando tal escolha que o condutor ficará em completo silêncio durante o trajeto até o destino, sem trocar uma palavra sequer com as pessoas ali pertinho dele, a menos de um metro. O silêncio exigirá motoristas sem pontos nas carteiras de motorista, com bastante experiência e notas altas na sua avaliação pelos clientes. Como contrapartida, a tarifa a ser cobrada será mais elevada.

Em recente viagem aos Estados Unidos, em Chicago, um desses profissionais do Uber, um rapaz negro, alto e muito simpático, me disse gostar bastante de seu trabalho, exceto por um aspecto, o da mudez de alguns passageiros. Não de todos, muito menos da maioria, mas, mesmo assim, ele gostaria de conversar mais, em contraste com a situação que surge no modo silencioso.

Antes de prosseguir, quero pedir mil desculpas aos entusiastas da escrita de textos com três palavras, em lugar de apenas uma que diz a mesma coisa, como, por exemplo, “vai estar oferecendo”?, como comumente se ouve, em vez de “oferecerá”?, como usei acima. Gosto da forma concisa, enxuta, sem firulas e torneios verbais de redigir, talvez por influência das frequentes e repetitivas leituras de Machado de Assis; ou isso é algo inato em mim. É de minha natureza, penso, tentar dizer o máximo com o mínimo, em lugar do mínimo com o máximo, sendo, como é esta última, expressão não raramente tendente à obscuridade.

Agora, não fique surpreso, caro leitor. Assim como de repente irromperam dezenas de classificações de gênero das pessoas, rapidamente difundidos por muitos países, como fogo em mato seco ou na Amazônia, a partir de um início modesto, quando os seres humanos eram classificados tão só como homem e mulher, da mesma forma se multiplicarão os estilos de viajar com o uso de aplicativos e seus menus. Estamos presenciando agora o acréscimo do modo silencioso.

Quem poderá garantir que em poucos meses outros, dos mais simples aos mais bizarros, não estarão disponíveis? Imagino alguns, nos quais quem dirige é obrigado a não dizer coisa alguma, mas com direito a remuneração mais alta.

O modo pornô. O usuário já entra na condução falando em voz alta, com um palavreado de cunho exclusivamente sexual, com um smartphone de última geração, com o qual assistirá vídeos pornô a todo volume durante o trajeto até seu destino. Se for um casal, tentam logo praticar aquilo que a imprensa chamou, durante longo tempo, de atos libidinosos. Tem de aguentar em nome da tarifa compensadora.

O modo praia. Aqui a paciência do condutor terá de passar por um teste difícil de suportar, como aqueles de superar o muro de Trump. Mulheres de fio dental, homens de shorts idem, crianças bagunceiras, todos com as roupas ensopadas de água salgada e fungando o tempo todo, mas felizes e famintos, apesar do almoço de apenas uma hora atrás.

É pegar ou largar (a tarifa é mais alta, lembrem-se). O modo churrasco. Antes dos três amigos entrarem no veículo, já o homem ao volante sentiu o bafo de cerveja e cachaça, misturado com o de tira-gosto feito com óleo barato.

Dá náuseas de vômito, mas ele se contém, pois o pensamento na tarifa o ajuda a suportar a situação.

Agora falam no Uber Motel, que iria impor a participação dos motorista nas visitas dos casais aos motéis. Tudo bem na primeira. Mas ele aguentaria 5 a 6 vezes por dia, todo dia?

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*Lino Raposo é economista e membro da Academia Maranhense de Letras



“A piora fiscal do Maranhão”, por Eden do Carmo

“A piora fiscal do Maranhão”, por Eden do Carmo

Artigo originalmente publicado no blog do Diego Emir

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Publicado no mês passado, o Boletim de Finanças dos Entes Subnacionais – dados referentes a 2018 – elaborado pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN), é mais um estudo a enfatizar as dificuldades de estados e municípios em operar suas contas num ambiente de lenta recuperação econômica. Em linhas gerais, o Tesouro destaca medidas salutares adotadas, como: controle nas despesas, revisão de renúncias tributárias e combate à sonegação de impostos. A inclusão de estados e municípios na Reforma da Previdência é tida como essencial para a melhora da saúde fiscal das unidades.

Com relação ao Maranhão, o Tesouro traz números preocupantes. O problema do gasto com pessoal foi agravado. Os três poderes, em conjunto, despenderam 60,22% da Receita Corrente Líquida (RCL) com pessoal, valor superior aos 60% permitidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Contudo, para cômputo desse indicador, a STN usou a metodologia mais prudente, do Programa de Ajuste Fiscal (PAF). Para efeito dos limites legais da LRF, o cálculo é feito pelos parâmetros do Relatório de Gestão Fiscal (RGF). Neste caso, o Maranhão ainda não ultrapassou o limite de 60%. O percentual medido pelo RGF ficou em 56,51% da RCL ao final de 2018. Porém, a tendência é de alta, e, de fato, apenas o Executivo está enquadrado em seu limite. Os Poderes Judiciário e Legislativo, o Ministério Público e o Tribunal de Contas, somente estão obedecendo seus tetos em virtude de duas decisões do TCE – 1.895/2002 e 15/2004 -, que excluem do cálculo de pessoal as rubricas de inativos e de imposto de renda.

Todavia, tais supressões são recriminadas pelo Tesouro Nacional, pois não haveria previsão legal para elas. Em realidade, essas manobras, patrocinadas por Tribunais de Contas estaduais, redundaram no aumento indevido de despesas com pessoal e foram um dos motores da atual crise fiscal.

A Previdência estadual, o Fepa, é outra adversidade para as contas do Maranhão. Em 2018, foram retirados R$ 1,2 bilhão de recursos do Tesouro Estadual para cobrir o déficit da Previdência. Montante 7% maior que em 2017, evento que demonstra a necessidade de o Governo enfrentar o tema da Reforma da Previdência estadual.

Quanto à Capacidade de Pagamento (CAPAG) – que avalia se o ente está apto a receber aval da União para empréstimos – o Maranhão também piorou. Apesar de permanecermos com a classificação “C”? – somente estados qualificados com “A”? ou “B”? recebem garantia da União -, no levantamento passado estávamos mal avaliados em apenas um dos três itens que compõem a CAPG, o de “poupança corrente”?. Agora, o indicador de “liquidez”? está abaixo nível do permitido. A corrosão desses dois indicadores sugere, a grosso modo, que a cada período sobram cada vez menos recursos nos cofres do Estado para cobrir suas obrigações. Certamente por conta disso, há uma grita crescente dos fornecedores do Estado em virtude de atrasos em pagamentos.

As cinco empresas estatais maranhenses apresentaram resultado altamente negativo. Juntas deram prejuízo de R$ 900 milhões. Quase R$ 1 bilhão foram retirados do orçamento do Estado para cobrir o rombo dessas companhias. Apenas Pernambuco e São Paulo, com saldos no vermelho de R$ 1 bilhão e R$ 10 bilhões, respectivamente, tiveram estatais com déficits maiores que os das maranhenses. É de se avaliar detidamente – para além da possibilidade de privatização – a gestão de nossas empresas.

De 2015 a 2018, a dívida consolidada do Maranhão aumentou em mais de 21%, alcançando R$ 7,7 bilhões ao final do ano passado. Seguindo essa direção, o pagamento do serviço da dívida elevou-se 24% nesse período, chegando a R$ 951 bilhões em 2018. O problema não é a ampliação do endividamento em si, mas sim saber se os recursos que a fomentaram estão sendo investidos em empreendimentos que expandam a produtividade do Estado – como rodovias e pontes – e não em operação tapa-buracos, que se repetem a cada inverno. De 2017 para 2018, os investimentos cresceram 8,7%. Um bom sinal, a depender, como dito, da qualidade dos empreendimentos realizados.

Ao final de 2018 o Maranhão inscreveu R$ 279 milhões em restos a pagar (despesas reconhecidas ao final do ano, mas que deverão ser pagas nos exercícios seguintes) – valor bem menor em relação ao de 2017 (R$ 427 milhões). Contudo, a STN alerta que em muitos estados, grandes volumes de despesas não passaram pelo processo orçamentário, ou seja, não foram empenhados. Provavelmente, essa artimanha foi adotada em virtude da falta de recursos e para driblar dispositivo da LRF que proíbe, que no último ano de mandato, como 2018, o gestor de deixar despesas para os anos seguintes sem recursos em caixa para honrá-las. No entanto, tal manobra distorce os indicadores fiscais, e no futuro afetará negativamente os orçamentos, já que em algum momento os fornecedores irão cobrar dos estados pelos bens e serviços fornecidos.

No balanço entre receitas e despesas do Estado, é possível perceber com nitidez, que o nosso problema não é a trajetória da arrecadação, mas sim dos gastos. Tanto é, que de 2017 para 2018 o recolhimento de impostos locais (como o ICMS) aumentou 7,7% e as transferências federais elevaram-se 5,8%. Contudo, a despesa com pessoal saltou 10,2%. Situação a demonstrar que, a despeito de uma eficiente gestão dos impostos estaduais e/ou elevação de alíquotas, é na despesa com pessoal (ativos e aposentados) que reside o ponto de estrangulamento das contas estaduais. O resultado primário do Estado – diferença entre receitas e despesas antes do pagamento de juros da dívida – vem se deteriorando. Pelo critério da despesa empenhada – que é mais prudente, e por isso mostra melhor a realidade fiscal do ente – tivemos um rombo primário de R$ 1,08 bilhão. Resultado 6% pior que o de 2017. Ou seja, em períodos futuros o pagamento com juros e o endividamento irá aumentar.

Do painel traçado pelo Tesouro Nacional para as finanças do Maranhão, é possível extrair conclusões: o Governo do Estado deve fazer a sua Reforma de sua Previdência, por mais que isso venha a ser uma contradição, já que o governador Flávio Dino e seus aliados são contrários à Reforma Federal; necessita-se reduzir a despesa com pessoal, prioritariamente com comissionados e terceirizados; os órgãos de controle estaduais têm que verificar se estão ocorrendo neste Estado casos de despesas que não transitaram pelo orçamento, pois em caso afirmativo, no futuro isso afetará dramaticamente o resultado das nossas contas; a União promete, brevemente, uniformizar a contabilização do gasto com pessoal, fato que explicitará, ainda mais, esse problema no Estado, notadamente no Legislativo, Judiciário, TCE e MP; é forçoso enxugar a estrutura do Executivo, que hoje tem o maior número de secretarias do país; é indispensável buscar mais eficiência no funcionalismo, com atribuição de gratificações por cumprimento de metas e corte de adicionais – como anuênios e quinquênios – que não guardam relação com o desempenho, mas apenas com o decorrer do tempo; as empresas estatais precisam melhorar a gestão e reduzir prejuízos, especialmente a CAEMA; e ainda é imprescindível um olhar especial sobre a qualidade dos investimentos feitos, para não haver desperdícios de recursos com despesas inúteis, que não vão elevar a nossa produtividade.

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*Eden do Carmo é economista, mestre em Economia e doutorando em Administração

“Polêmicas e polêmicas”, por Lino Raposo Moreira

“Polêmicas e polêmicas”, por Lino Raposo Moreira

Brazil's President Jair Bolsonaro attends an Air Force ceremony in Brasilia, Brazil January 4, 2019. REUTERS/Adriano Machado

Artigo originalmente publicado no jornal O Estado do Maranhão

As polêmicas políticas correm à solta e continuarão assim por 3 anos e meio, pelo menos. Quase todas foram disparadas pelo presidente Bolsonaro, que parece por elas movido. São elas tão desimportantes quanto possam ser na vida do país, embora não o sejam para os frequentadores de bar em fins de semana, como o provam as conversas sobre a própria controvérsia do dia, bem como sobre futebol, mulheres e cerveja nesses ambientes.

Essa turma sente um bate-papo desse tipo como algo muito importante, mas não deve ser dessa forma com um presidente da República Este só deve encarar tais reuniões dessa maneira no âmbito privado.

A última polêmica, em seguida àquela acerca da indicação de um filho dele ao cargo de embaixador do Brasil nos Estados Unidos, é sobre palavras de Bolsonaro a respeito dos nordestinos, logo antes de entrevista dele a correspondentes de jornais estrangeiros no Brasil.

Foram (fomos) chamados de paraíbas, segundo a maioria das interpretações do áudio de som ruim de sua fala com o ministro da Casa Civil, sem saberem ambos, imagina-se, da gravação em andamento. A palavra tem forte conotação pejorativa no Rio de Janeiro. Em São Paulo é usado termo equivalente, baiano. Dizer, como já ouvi, que, por estar dicionarizada, não haveria nada de ofensivo no seu uso, é acreditar em poderes miraculosos de dicionários. Uma vez dicionarizadas, palavras dessa natureza deixariam de ser afrontosas, de onde se poderia argumentar em favor da dicionarização de todas elas, a fim de se acabar com qualquer tipo de discriminação. A palavra trambiqueiro (golpista, ver HOUAISS), dicionarizada, como já o é, seria tratamento carinhoso. Antes de ter entrado no pai dos burros, seria insulto.

Vamos admitir que não houve a intenção de ofender ninguém de parte do presidente. Foi então a boca torta do uso frequente do cachimbo antinordestino. O presidente é do tipo de pessoa incapaz de parar por meio segundo sequer com o fim de refletir, antes de verbalizar a primeira bobagem ansiosa, mas prisioneira por segundos dentro de sua cabeça, por ver a luz do dia. Atira em todas as direções e não foca em profundidade em nenhuma. Os assuntos importantes não recebem sua necessária atenção. Na tramitação da Reforma da Previdência, não vi seu esforço pela sua aprovação, a não ser quando se empenhou em favor de condições previdenciárias especiais para grupos de policiais. Contribuiu dessa forma com o enfraquecimento da reforma. O trem fora dos trilhos desses combates verbais não parou no Nordeste, pois projetou-se em seguida pelo infinito espaço celestino.

O presidente classificou como mentirosos os dados produzidos por satélite e compilados e analisados pelo INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, sobre desmatamento na Amazônia, sem apresentar qualquer dado alternativo em suporte de sua afirmação. O instituto tem reconhecimento internacional pela excelência de seu trabalho e carrega uma reputação sem mancha. Não é papel do presidente fazer questionamentos científicos. Ele tem assessores que podem fazê-lo com muita competência. Ou então pode pedir os dados a esses auxiliares antes de dizer tolice. Bolsonaro, em quem votarei novamente, caso a única alternativa a ele na próxima eleição seja o PT, hipótese difícil de se tornar fato, vai desperdiçando seu capital político tolamente, em vez de olhar para coisas fundamentais a nosso futuro. Tomara que ele se dê conta disso.

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Lino Raposo Moreira é economista, membro da Academia Maranhense de Letras e PhD

“A gestão municipal e a humanização da cidade”, por Aziz Santos

“A gestão municipal e a humanização da cidade”, por Aziz Santos

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Artigo originalmente publicado no Jornal Pequeno

Pessoas me visitam e comentam os rumos da gestão municipal de São Luís depois de seis anos da administração Edvaldo Holanda Júnior. Calado, ouço o que falam: em síntese, bom tipo, simpático, gentil, pessoalmente honesto, mas precisa assumir a liderança da cidade. Corre o risco de não sentar à mesa nas negociações para lançamento de candidaturas a prefeito em 2020. Essa é a tônica.

Quando, aos 2 primeiros anos de sua primeira gestão, a imprensa e outros formadores de opinião batiam no que chamavam de inoperância, produzi um artigo em sua defesa, dizendo que deveríamos aguardar um pouco mais, dar-lhe tempo de compreender a gestão pública e a complexidade da cidade.

Expressei-me assim: “Há esperanças sim. Temos um Prefeito jovem, sério, com suficiente vontade política para realizar e sensibilidade para auscultar a alma da cidade. Um desafio de tamanha envergadura como esse de administrar uma cidade complexa como São Luís não pode pesar unicamente nos ombros do Prefeito, mas tem de ser partilhado com todos nós, cidadãos que vivemos o seu cotidiano”?

A gestão municipal mantém uma relação de dependência financeira e política desnecessária com o Governo do Estado, quando deveria ter cobrado deste ente federativo os milhões que eram devidos ao Município pelas perdas substantivas do PROMARANHÃO. Quando estudei este assunto a dívida do Estado para com a Prefeitura rondava os 140 milhões de reais.

De igual modo, nada faz para recuperar os índices de rateio do ICMS, que despencaram de 52%, em 2002, para algo em tono de 31% atualmente. São milhões que escorregam dos cofres de São Luís todos os meses. TRISTE.

Nem o Prefeito nem seus auxiliares jamais informaram a sociedade o porquê de silenciarem sobre isso, o que nos causa estranheza, até porque cobrar dívidas é responsabilidade instituída no arcabouço legal brasileiro.

É inadiável a criação de estratégias que levem ao fortalecimento da economia da cidade e à ampliação da qualidade de vida da população. O Plano Diretor encaminhado recentemente à Câmara de Vereadores sofreu a influência perniciosa do Sindicato da Construção Civil para permitir construções em áreas de dunas, sob o olhar permissivo da Prefeitura.

Urge a implantação de modelos mais democráticos de urbanização, mais humanos e sustentáveis, onde possam vicejar novas formas de socialização, de promoção cultural, de impulsionamento das economias locais e solidárias. É na rua, no encontro das diversidades, que nasce o sentimento de pertencimento à cidade, por isso ela precisa ser ocupada todos os dias. É na rua ainda hoje que as mudanças ganham forças para acontecer e é lá também, tomando todos esses lugares que são nossos por direito, que se torna possível sermos mais fortes que o interesse de privatizar nossa democracia e nossos espaços.

Sãos os “olhos da rua”?, (Jane Jacobs), que sugerem que a presença das pessoas nos espaços públicos instaura uma certa segurança natural sobre esses mesmo locais, diminuindo com isso a violência.

Além do acesso aos serviços públicos por toda a população, uma cidade humanizada precisa de lazer e convivência. Uma cidade solidária em que as pessoas ganham os espaços públicos, as ruas, praças, parques para se encontrarem sem pressa; uma cidade tranquila, arborizada com espécies nativas, paisagismo, com calçadas para os pedestres, todos esses ambientes disseminados pelos bairros. Tudo isso sob a proteção de um sistema de segurança eficaz e confiável.

O Centro Histórico tem acolhido as nossas manifestações culturais e isso é bom, mas, no que tange ao seu patrimônio arquitetônico, pede clemência. A ideia da Sociedade de Propósito Específico – SPE, regulamentada em lei desde 2002, proposta há algum tempo pelo BNDES, precisa ser reinventada imediatamente, a fim de que num esforço conjunto do Município, do Estado e da União se dê cabo à restauração possível.

É preciso ter consciência de que verbas do IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, do Programa Monumenta ou do PAC- PAC Cidades Históricas ajudam, são imprescindíveis, mas no passo que acontece 100 anos para frente são poucos para enfrentar o colapso devastador do nosso acervo arquitetônico.

Novas ideias precisam brotar.

É boa a ideia do Nosso Centro, mas Município e Estado têm que se dar as mãos e estudar a possibilidade de implantarem seus centros administrativos em espaço estratégico do Aterro do Bacanga, que hoje mais entristece do que alegra o Centro Histórico, para impulsionar a economia do Reviver.

A Feira de Imóveis de Barcelona precisa ser visitada. Precisamos levar a ela os portfólios dos prédios por restaurar com a indicação clara dos usos que queremos para eles e para a cidade. Promotores Imobiliários, construtoras, arquitetos, engenheiros e entidades financeiras se reúnem ali para mostrar e conhecer novos projetos imobiliários, conseguir financiamento para comprar ou investir em imóveis.

A experiência vitoriosa de Cuba na restauração do seu patrimônio arquitetônico pode muito bem servir de exemplo à gestão do nosso Centro Histórico: ao invés de restaurar um prédio aqui e outro lá, uma quadra inteira é definida para a restauração. Os ganhos são múltiplos, pois uma quadra inteira restaurada atrai negócios e torna o ambiente seguro para a visita dos cidadãos.

Há que se pensar nos pontos emblemáticos da cidade. O que fazer com o Centro Histórico, colapsado, com o Aterro do Bacanga, deteriorado, com o Sítio Santa Eulália, entregue à devastação e ocupação temerária, com o Parque do Diamante, entregue à ação predatória dos moradores de áreas próximas, com o Parque do Bom Menino, pequenos negócios, feira de trocas, inovações tecnológicas, plantas ornamentais, agricultura orgânica, espaço permanente de arte e cultura, com a Fábrica Santa Amélia, hoje de propriedade do Município, abandonada como antes, com o Mercado Central, que nos envergonha mostrar aos visitantes e cartão postal de toda cidade histórica.

O cenário é sombrio. Faltam fóruns de debate, de diálogo, de rodas de conversa, de saber para onde vai o destino da cidade, dos seus moradores, de como colaborar e refletir conjuntamente.

A cidade é de todos, não somente da Prefeitura, de sua gestão se tem notícia pelo Jornal Pequeno, que lhe enaltece diariamente, e no sistema Mirante que a enxovalha.

Ao que parece, uma espécie de cordão de isolamento separa gestores e cidadãos, nos três níveis de governo. Até quando?

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*Azis Santos é economista

“O Plano Real, 25 anos depois”, por Paulo Nogueira Jr.

“O Plano Real, 25 anos depois”, por Paulo Nogueira Jr.

Brazilian money background. Bills called Reais (Real).

Artigo originalmente publicado no Jornal GGN

O Plano Real, que acaba de completar 25 anos, foi o mais bem-sucedido dos vários planos de combate à inflação e teve um toque de originalidade: a URV – a Unidade Real de Valor, mecanismo de transição que preparou a introdução da nova moeda, o real. Com a sua introdução, inaugurou-se uma época de inflação baixa, quase sempre controlada, destoando da instabilidade monetária que caracteriza a maior parte da história econômica do País.

O plano não era perfeito, longe disso. Ele se desdobrava em três fases a serem implementadas sequencialmente; a primeira e a terceira logo se mostrariam problemáticas. A Fase I era a do ajuste fiscal que lançaria os fundamentos do plano. A URV – uma quase moeda paralela à moeda oficial, o cruzeiro real – seria a Fase II. E a Fase III consistiria na introdução da nova moeda em substituição ao cruzeiro real, a ser retirado de circulação. Em resumo, o Plano Real era uma reforma monetária em duas etapas, antecedida de medidas de contenção déficit público.

A Fase I foi muito incompleta, o que lançou dúvidas, desde o início, sobre a sustentabilidade do Plano Real. A Fase III acabou prejudicada pela valorização inicial do real em relação ao dólar, que se tornaria – mais do que a fragilidade das contas públicas – o grande calcanhar de Aquiles do plano. Mas o espaço não permite tratar de todos esses problemas; vou me concentrar no que o plano tinha de melhor – a URV. Essa foi a contribuição original dos economistas tucanos à política econômica brasileira, especialmente (pelo que sei) de André Lara Resende e Pérsio Arida. O Brasil poderia até dar lições de como fazer uma hiperestabilização, isto é, de como recuperar a estabilidade monetária nacional em condições de hiperinflação.

O problema é que não teríamos alunos! É que a URV respondeu às peculiaridades de uma situação rara, provavelmente única. São poucos os casos de hiperinflação na história mundial, e ainda mais raras são as experiências como a nossa, de décadas seguidas com inflação elevada. Talvez só a Argentina tenha tido experiência inflacionária ainda mais longa ou pontuada por surtos mais intensos.

No entanto – e chego aqui a um ponto crucial -, na Argentina e em diversos outros países latino-americanos a hiperinflação ou a inflação persistentemente elevada haviam resultado em dolarização parcial da economia, com o dólar substituindo em grande parte as moedas nacionais como unidade de conta, reserva de valor e até meio de pagamento. No Brasil, não. O que tivemos aqui, desde a década de 1960, foi a correção monetária, o ajuste periódico dos preços, salários, contratos, tributos, taxa de câmbio e instrumentos financeiros por índices de preços domésticos.

A URV foi uma resposta inteligente a essa situação peculiar. O caminho até ela foi acidentado, como costumam ser as experiências de política econômica. Embora não estivesse no governo, tive condições de opinar sobre a formulação do plano. Isso foi possível por dois motivos. Primeiro, porque uma vantagem do Plano Real, quando comparado a seus antecessores fracassados desde o Plano Cruzado, é que ele não dependia do fator surpresa e podia ser pré-anunciado. Além disso, eu contava com a simpatia do presidente Itamar Franco e pude até interferir, por seu intermédio, em alguns aspectos do programa, inclusive na URV. Nunca escrevi sobre essa participação indireta, que aconteceu sem qualquer acesso, cabe frisar, a informações confidenciais do governo. Aproveito o aniversário do Plano Real para contar o episódio e, sobretudo, para contribuir um pouco para o resgate do seu aspecto mais brilhante, que foi o mecanismo monetário de transição.

A URV foi introduzida em março de 1994. Quando os planos para sua criação foram anunciados alguns meses antes, logo percebi que era uma grande ideia, que poderia ser bem adaptada às especificidades da situação monetária brasileira. A ideia, em poucas palavras, era introduzir em paralelo ao cruzeiro real uma quase moeda indexada. O “quase”? é crucial aqui. Se a URV tivesse sido uma moeda plena, desempenhando todas as funções monetárias, a sua introdução desencadearia uma inflação brutal na moeda velha – como ocorrera em 1946, com o pengo, a moeda da Hungria de então. No caso da Hungria, a introdução de uma moeda indexada oficial plena (o pengo fiscal), em paralelo ao pengo, levou ao abandono generalizado da moeda velha e a uma aceleração inflacionária jamais vista. Se a URV fosse configurada como moeda plena, a exemplo do pengo fiscal, haveria acentuada aceleração da inflação em cruzeiros reais, instabilidade econômica e queda dos salários reais.

Com a URV, buscava-se induzir a convergência da indexação na economia a uma nova referência oficial na qual a inflação seria baixa ou inexistente. A moeda indexada coexistiria com o cruzeiro real por alguns meses até que, numa data preestabelecida, ela fosse convertida na nova moeda, ocasião em que o componente de realimentação inflacionária seria eliminado de uma só vez, reduzindo abruptamente a inflação. O calendário do Plano Real estava ajustado ao calendário eleitoral, diga-se de passagem, aspecto crucial que deixo, entretanto, de lado para focar na questão monetária.

A minha impressão, na época, era que havia um risco importante: inclinações dolarizantes dentro da equipe econômica. Havia até mesmo quem defendesse publicamente – não só no governo, mas também no exterior, notadamente no Banco Mundial – a aplicação ao Brasil do modelo argentino de semidolarização, isto é, o chamado o conselho da moeda (currency board). Um dos mais destacados integrantes da equipe econômica, André Lara Resende, havia defendido essa abordagem em artigos publicados na imprensa a título pessoal. A Argentina parecia um sucesso naqueles tempos; poucos percebiam os imensos riscos que o nosso vizinho estava correndo com aquela semidolarização, que levaria ao colapso da economia alguns anos mais tarde.

No governo brasileiro, entretanto, pelo menos uma pessoa se opunha firmemente a qualquer proposta desse tipo: ninguém menos que o presidente da República, Itamar Franco. Fiz chegar a ele em várias ocasiões, por meio de amigos comuns, a percepção de que a URV, anunciada pela equipe econômica, era um mecanismo muito útil, mas que havia o risco de ela fosse usada como ponte para a dolarização da economia. Ao mesmo tempo, fazia essas ponderações publicamente, em artigos e entrevistas.

A questão central era: com base em que ajustar a URV? O dólar era a opção para a qual parecia se inclinar inicialmente a equipe econômica. Opção preocupante e até perigosa. Poderia preparar o terreno para que o real nascesse estreitamente vinculado ao dólar, a exemplo do que se via na Argentina. Além disso, no período de vigência da URV, o que se estimularia, na verdade, seria a convergência da indexação à taxa de câmbio, ou seja, a vinculação de preços, salários e contratos à moeda estrangeira.

Insisti em argumentar, junto ao presidente Itamar e em público, que a dolarização da URV era perigosa e totalmente desnecessária. O mais consistente com a realidade brasileira seria instituir a correção monetária da URV, vinculando-a um índice geral de preços, de escopo nacional. O Banco Central deveria, no meu entender, operar para manter a taxa de câmbio rodando, sem rigidez e sem qualquer regra, em torno desse mesmo índice, evitando fixar ou estabilizar a taxa URV/dólar. Sugeri, além disso, que quando o real entrasse em circulação, em substituição ao cruzeiro real e à URV, a taxa de câmbio passasse a ser administrada de forma a oscilar em torno da paridade inicial real/dólar – sem, entretanto, anunciar qualquer regra para o câmbio em termos nominais ou reais. Outro aspecto importante: não cabia, do meu ponto de vista, começar com paridade unitária em relação ao dólar, pois isso levaria a uma complicação inicial perfeitamente evitável no dia-a-dia e – mais importante – poderia criar problemática ligação simbólica da nova moeda com a moeda estrangeira.

Quando o formato final da URV foi anunciado, ficou claro que haviam prevalecido as preocupações anti-dolarizantes do presidente Itamar. Determinou-se – que a URV seria ajustada com base na evolução de três índices de preços amplamente utilizados no País. O presidente me mandou mensagem, satisfeito: “Gostou? Três índices nacionais!”?. Contaram-me que, em face da resistência de Itamar, Pérsio Arida aparecera com a fórmula dos três índices. Além disso, a medida provisória que criou a URV tornou nulos de pleno direito os contratos indexados ao câmbio, a não ser quando autorizados por lei federal.

Fiquei contente, claro, mas logo vieram as decepções. A equipe econômica contornaria, com habilidade, as preocupações do presidente da República. Os economistas dos tucanos continuavam flertando, aparentemente, com a dolarização. A taxa de câmbio passou a seguir os três índices, o que equivalia, na prática, a estabelecer paridade unitária entre o dólar e a URV. Esta última ficou, no meu entender, sobredeterminada, isto é, vinculada ao mesmo tempo e de modo redundante a índices domésticos e ao dólar. Criou-se assim, desnecessariamente, uma indução à dolarização dos preços internos.

Como seria de prever, o real começou, em 1° de julho, com paridade unitária em relação ao dólar. Pior: estabeleceu-se, por lei, a paridade unitária como teto para a taxa de câmbio. Isso abriria caminho para uma enorme valorização inicial do real, no segundo semestre de 1994. A apreciação cambial acelerou em alguma medida a queda da inflação, mas não era indispensável, a meu ver, para alcançar a estabilização monetária. O elemento central do Plano Real, naquela fase inicial, era a desindexação ampla e imediata, proporcionada pela URV, que teria sido capaz, mesmo sem apreciação cambial, de provocar grande queda da inflação.

A valorização do real, ao longo dos anos seguintes, se revelaria a mais importante fragilidade do programa de estabilização. Abriu-se enorme desequilíbrio nas contas externas, o que deixou a economia vulnerável. Depois de inúmeras peripécias e pressões de balanço de pagamentos, o Brasil acabaria sofrendo uma crise cambial aberta e caindo nos braços do FMI.

Um plano que começara de forma brilhante teve desfecho melancólico. Greta Garbo, quem diria, acabou no Irajá.

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Paulo Nogueira Batista Jr. é economista, foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, e diretor executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países.

“Embaixada e diálogos”?, por Lino Raposo Moreira

“Embaixada e diálogos”?, por Lino Raposo Moreira

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Artigo originalmente publicado no jornal O Estado do Maranhão

Uma das polêmicas nacionais desta semana é a indicação do novo embaixador do Brasil nos Estados Unidos. Ele poderá ocupar a embaixada mais cobiçada pelos diplomatas de carreira do Itamaraty e a mais importante para as relações internacionais do Brasil, em especial as de comércio entre os dois países. O nome do indicado: Eduardo Bolsonaro, filho do, vamos dizer, indicador, Jair Bolsonaro, presidente da República.

Bolsonaro filho justificou a indicação de maneira curiosa e, até, bizarra e ingênua. Ele lembrou o intercâmbio estudantil feitos por ele nos Estados Unidos, quando, no frio estado do Maine, aprendeu os segredos de fritar hambúrgueres. Como reforço de suas credenciais diplomáticas futuras (os dias de hoje), fez amizade com um filho do presidente Trump, que, nos últimos dias, tem se dedicado com afinco ao esporte de caçar latinos e expulsá-los dos Estados Unidos.

A indicação de elemento estranho ao corpo diplomático como representante do Brasil não é inédita. Assis Chateaubriand, em 1957, na presidência de Juscelino Kubitschek, foi nosso embaixador na Inglaterra. Quem era esse homem, eleito senador pelo Maranhão, em 1954, sem colocar aqui os pés. Fundador dos Diários Associados, foi advogado, jornalista, empresário, professor universitário, escritor e mecenas da cultura brasileira, tendo criado o MASP, de São Paulo. Era um homem experiente e calejado nas lutas empresariais e jornalísticas, e de reconhecida capacidade de realização em vários campos. Quem é o rapaz Bolsonaro? Quase nada se sabe, além dos pré-requisitos apresentados por ele mesmo. Se servirem a sua missão, ótimo. Por enquanto, acho perda de tempo discutir longamente assunto com jeito de piada.

O assunto verdadeiro da hora são os diálogos entre o ex-juiz Moro e Deltan Dallagnol, o chefe da força-tarefa da Operação Lava Jato, divulgados pelo site Intercept. Até o momento nada foi claramente desmentido pelos membros da LJ, mesmo com um simples “é mentira, esses diálogos foram inventados”?. Limitam-se a dizer que eles não podem ser autenticados. Ora, o assunto é sério e lida com os fundamentos do Estado de Direito.

Em nota oficial, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadãos diz: “A prevenção e o combate intransigente à corrupção são legítimos quando se articulam com o respeito ao direito dos investigados e acusados […] bem como com a liberdade de manifestação jornalística e de garantia do direito coletivo de receber e buscar informação”?. E mais:

“É inadmissível que o Estado, para reprimir um crime, por mais grave que seja, se transforme, ele mesmo, em um agente violador de direitos fundamentais. A investigação, acusação e punição de crimes […] não podem se confundir com uma cruzada moral ou se transformar num instrumento de perseguição de qualquer natureza.”?. Ainda mais: “[…] é vedado ao magistrado participar da definição de estratégias da acusação, aconselhar o acusador ou interferir para dificultar ou criar animosidade com a defesa”?.

No entanto, digo eu, a transcrição dos diálogos até agora divulgados mostram exatamente a prática de tais vedações.

Fico com a impressão de um desmentido de parte de Moro e Dellagnol não ter sido feito por receio da divulgação dos áudios correspondentes a cada diálogo. Isso seria a desmoralização deles. Não é crível eles não se lembrarem de conversas importantes de que tenham participado.

Aguardemos as novidades.

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*Lino Raposo Moreira é economista e membro da Academia Maranhense de Letras

“Diferenças entre estadistas e oportunistas”, por José Lemos

“Diferenças entre estadistas e oportunistas”, por José Lemos

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Artigo publicado originalmente no Jornal Pequeno

Eu imaginei fazer nos próximos textos, reflexões acerca de alguns personagens mundiais recentes que fizeram a diferença para melhor no Planeta Terra, e que eu acompanhei, mesmo ainda criança, adolescente, jovem ou já adulto.

A finalidade dessas reflexões é para que tenhamos alguns parâmetros de comparação com aqueles sujeitos que fazem política no Brasil. Dos que nos governaram no que se convencionou chamar de “redemocratização”?. Começo a sequência com o chinês Deng Xiaoping, o responsável pela “Economia de Mercado Socialista”?, e o grande responsável pelo que sabemos hoje que acontece em progresso na China.

A China foi um País líder por milênios de avanços científicos e tecnológicos, incluindo o desenvolvimento em áreas tão diversas como ciências naturais, engenharia, medicina, tecnologia, matemática, geologia, astronomia e militar.

Entre as grandes invenções chinesas destacam-se: a bússola, a pólvora, o papel e a tipografia.

Talvez o maior símbolo da capacidade de criação e de empreender desse País foi a construção da Grande Muralha da China, que começou entre os anos 220 e 206 a.C e, foi ampliada no tempo, sendo que a maior parte da obra foi executada na dinastia Ming (1368-1644). A China se manteve como potência mundial até o fim do século XVIII.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, já no século XX, a República Chinesa entrou em guerra civil. O Partido Comunista Chinês (PCC), liderado por Mao Tsé-Tung (1893-1976) proclamou a República Popular da China, em primeiro de outubro de 1949.

O PCC conseguiu unificar a China, e pôs em prática um conjunto de políticas. O plano foi chamado de “O Grande Salto Para Frente”?, lançado entre 1958 e 1960. Objetivava transformar a China, então um país essencialmente agrário e atrasado, em uma potência industrial e verdadeiramente socialista. Mas o resultado foi uma catástrofe que deixou o país mais pobre e provocou a morte de aproximadamente 30 milhões de chineses. Nos anos de 1960, foi lançada a Revolução Cultural que gerou um caos no país e deixou a China ainda mais pobre e isolada no mundo.

O panorama começou a mudar quando o então presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, em plena Guerra Fria, queria isolar a então USSR, que havia se afastado da China. Para tanto se encontrou com o líder Mao Tsé-Tung, em fevereiro de 1972. Mas as turbulências reacenderam depois da morte de Mao Tsé-Tung em 1976, e a Ascensão da chamada “Gang dos Quatro”?. Deng Xiaoping caiu em desgraça com o grupo que tinha na viúva de Mao, uma das maiores, se não a sua maior líder.

Aos poucos Deng recuperou a sua influencia no PCC e, em dezembro de 1978, conseguiu iniciar a execução dos planos de reforma que fizeram com que o País conquistasse a maior mudança que um País experimentou em prazo tão curto de tempo. As reformas incluíam as modernizações da agricultura, indústria, comércio, ciência, tecnologia e militar. Propiciou uma grande abertura diplomática. Criou várias Zonas Econômicas Especiais (ZEE). Nessas ZEE as empresas estrangeiras poderiam se instalar no País, mas tinham que assumir protocolo que assegurava a participação de empresas chinesas. Deng foi o primeiro líder Chinês a visitar os Estados Unidos. Isso aconteceu no fim de janeiro de 1979. Foi recebido pelo então Presidente Democrata Jimmy Carter. Um marco histórico na relação entre os dois países. E entre a China e o mundo.

Não resta qualquer dúvida que a partir da ousadia daquele homem do alto da sua estatura de apenas 1,52m, a China deixou de ser uma economia agrária, atrasada e politicamente isolada, para ser uma grande protagonista na econômica mundial. Transformou-se na “Fábrica do Mundo”?.

Rótulo que os chineses desejam superar. Querem deixar de ser apenas a “Fábrica do Mundo”? para se transformarem em líderes mundiais em Ciências e de Tecnologias de ponta.

Alguém tem alguma dúvida de que isso está prestes a acontecer? Se tiver, saiba que as Universidades Chinesas já se constituem em algumas das maiores “fábricas”? de Doutores do Mundo. Cientistas chineses da atualidade estudaram nas melhores Universidades do Planeta, com prevalência, claro, das Americanas.

Deng Xiaoping foi o primeiro líder comunista chinês a se aposentar. Isso aconteceu em 1992. Antes disso fez uma longa viagem pelas ZEE que proliferaram depois de criadas, sob a sua liderança. Morreu em fevereiro de 1997, aos 92 anos. Antes disso, abriu mão de todos os títulos vitalícios e regalias especiais devidos aos cargos que exerceu. Alguém conhece um único exemplar de “Esquerdista”? Tupiniquim com conhecimento, talento e desprendimento daquele pequenino homem Chinês?

Acabamos de eleger Presidente da República, Governadores, Parlamentares Federais e Estaduais. Mas a manchete do O Estadão de hoje, sexta-feira, 12/07/2019, nos traz a seguinte ameaça: “Rodrigo Maia viu crescerem as apostas sobre uma eventual candidatura à sucessão do presidente Jair Bolsonaro em 2022”?. Ele não é único.

Há outros “presidenciáveis potenciais”?. Antes o Deputado, que se diz esquerdista, Paulinho da Força, declarou, sem qualquer constrangimento, que o parlamento não poderia aprovar o projeto de Reforma da Previdência tal como mandado pelo Governo Federal. Porque, sendo aprovado, segundo ele, do alto do seu apego ao cargo como belo exemplar da “esquerda”? tupiniquim a que se define como membro, o atual presidente seria reeleito em 2022 se isso acontecesse. Tais os avanços que o País conseguiria, ainda segundo ele. Avanços no País? Nem Pensar!

Estadistas de esquerda como Deng Xioping não nasceram nestas bandas!

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*José de Jesus Sousa Lemos é engenheiro agrônomo e professor da Universidade Federal do Ceará