EM ALGUM LUGAR DO PASSADO

*Antônio Augusto Ribeiro Brandão

“Este texto foi escrito e publicado há mais de oito anos. Depois disso, muita coisa continuou acontecendo contra o patrimônio histórico-cultural de Caxias”.
Por oportuno, volto ao assunto inspirado nas lembranças da casa que foi nossa à antiga rua do Cisco, no tempo em que ainda existia, mais acima, o sobrado que pertenceu à família de Antônio Gonçalves Dias. Era uma meia-morada com portão de madeira de lei, reforçado com grampos de ferro, encimado por uma grade com a data 1872.
Moramos lá desde 1946 e foi nossa até 1980, quando meu pai, como sempre fazia, gerenciava reparos na sua estrutura. Ele faleceu nesse tempo e a família decidiu vender a casa, para que outro pudesse habitar e cuidar, e não deixar viesse ‘cair aos pedaços’ ou sob marretadas na ‘calada da noite’, ou ser desapropriada ‘por interesse público’, como continua acontecendo, mesmo tendo que testemunhar as mudanças no nome da Rua!
Continuemos. Certo dia li que às vezes é preferível ter apenas na lembrança tudo que já vivemos, sem tentar ver como essas vivências estão ou são no presente; a razão é que a realidade pode decepcionar e destruir essas lembranças.
Sempre estive em Caxias, onde nasci há mais de 87 anos, o maior carinho. Sou testemunha ocular da sua história. Foi lá que cresci e alcancei a adolescência numa época em que a cidade experimentava o seu apogeu industrial, comercial e educacional, e os homens governavam ajudados pelos industriais, comerciantes e educadores, que tinham e faziam história. Tenho muito orgulho e saudades dessa época.
m várias oportunidades procurei demonstrar esse carinho em busca de uma alternativa econômica para a cidade, que já possuiu várias fábricas de tecidos e que em apenas uma delas empregava mais de 300 pessoas. E, agora, essa cidade não consegue despertar o interesse que merece das autoridades constituídas, nem de políticos que lhes são mais ligados.
A tradição cultural de Caxias é inegável. Entre 1947 e 1948, o Centro Cultural Coelho Neto movimentou a cidade com suas sessões matinais. A Academia Caxiense de Letras, sua legítima sucessora, tem feito o possível para resgatar essas tradições e influenciar no encaminhamento e solução dos problemas da cidade.
O patrimônio histórico de Caxias já foi muito significativo; hoje, quase nada mais existe e o que sobrou encontra-se desfigurado; foi o que aconteceu, entre outros, como o antigo prédio onde funcionou o Cassino Caxiense, na Praça Gonçalves Dias, razão das minhas lembranças destruídas. Pertencente a particulares, o Município não teve condições de evitar a destruição interna desse prédio, sobrando apenas a fachada mal cuidada. Jamais deveria ter desejado voltar àquele prédio.
Pensei que ainda fosse encontrar sua escadaria de madeira de lei, seus dois salões assoalhados com taboas de cores diferentes, seu coreto central onde o maestro Josino Frazão e sua orquestra fizeram dançar tantos jovens de então, como eu. Doce ilusão, nada mais existe. Tudo destruído. A escadaria de cimento e o piso dos seus salões dividido em verdadeiros cubículos. De quem é a culpa?
As autoridades constituídas e todos aqueles que deixaram de exercer sua cidadania e não reclamaram, não se insurgiram contra o que se configurava errado e estiveram descompromissados com a cidade, deles é a culpa.

*Economista. Membro Honorário da ACL, ACL e AMCJSP.